terça-feira, 27 de maio de 2014

INTEGRA DA ENTREVISTA DO COMANDANTE DA REGIÃO DE PIRACICABA (CPI-9) AO JORNAL DE PIRACICABA

Segue abaixo a matéria completa da jornalista Daniele Ricci, do Jornal de Piracicaba, que entrevisto o Coronel PM Humberto Gouvêa Figueiredo, comandante do CPI-9 para a coluna "Persona"



Há menos de um mês responsável pelo comando policial de uma das regiões mais expressivas financeiramente no Estado de São Paulo, Humberto Gouvea Figueiredo, 47, é um coronel jovem, mas seu currículo contabiliza 28 páginas de experiências em diversas áreas da Polícia Militar (PM), o que o faz um homem articulado, coerente e inteligente na tomada de decisões. Em resumo, essas páginas que descrevem sua carreira mostram que o policial nascido em Araraquara, entrou para a Academia da Polícia Militar do Barro Branco em 1985, passou por diversos postos e voltou a Araraquara, onde atuou de 1991 a 2009, em uma série de funções na área operacional, até ser promovido a major e removido para a Capital paulista, onde trabalhou no Estado Maior do Comando Geral e foi aprovado no programa de doutorado da polícia, desenvolvendo tese sobre a interface da PM com as redes sociais. Em 2013, quis retornar para o interior e assumiu o posto de tenente-coronel no batalhão de Limeira, iniciando sua relação com a região. Em abril deste ano, foi promovido a coronel e designado, em maio, a comandar o CPI-9 (Comando de Policiamento do Interior), formado por seis batalhões de polícia — Piracicaba (sede), Americana, São João da Boa Vista, Limeira, Rio Claro e Sumaré. São 3.200 policiais militares, numa área ocupada por 3,2 milhões de habitantes, uma frota de 1,8 milhão veículos e que sofre grandes efeitos da criminalidade. Apesar de quase 30 anos de vivência no combate ao crime, mantém a sensibilidade de quem prefere resolver os problemas na conversa. Como legado, espera sedimentar na região o conceito de polícia comunitária, pois entende como fundamental a comunicação na busca de soluções legítimas. O Persona de hoje apresenta o novo responsável pela segurança da sociedade regional.
¤ Quem chega quer imprimir sua marca. Qual será seu legado?
Pretendo sedimentar um conceito de polícia que entendo como essencial: a comunitária. Entendo que os seres humanos que ocupam a importante atividade pública policial devem manter uma relação de proximidade e confiança com a sociedade, que se conquista efetivamente se aproximando da comunidade. Não concordo quando a polícia seja vista como uma força repressora, chamada quando o problema já aconteceu. A polícia tem que ter um papel proativo, tem que se antecipar aos problemas, orientar a comunidade. A Constituição Federal, de forma sábia, diz que segurança é dever do Estado mas responsabilidade de todos. A polícia não constrói a segurança pública sozinha, mas a fazemos com as forças vivas, instituições que atuam em áreas correlatas, saúde, educação. Polícia não é só para prender ou separar briga, tem que ir na escola ensinar a criança sobre o que deve ser evitado. Quero que as pessoas conheçam o comandante e o que quero.
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Quais demandas receberão inicialmente sua atenção?
Temos que diminuir furtos e roubos de veículos, que impactam na população, mas se fizermos uma enquete, vamos ver que as pessoas estão preocupadas com o barulho do bar perto da casa delas, o vizinho que não as respeita, o indivíduo suspeito em frente à escola do filho, a forma desrespeitosa com que os motoristas dirigem os veículos em frente às suas casas, colocando em risco as vidas daqueles que elas gostam. Então, há uma discordância entre os problemas institucionais, que o Estado nos indica e aqueles da população e precisamos resolver os dois. Isso é possível mantendo essa relação de proximidade e fazendo com que as pessoas se envolvam.
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Como e quando pretende promover essa aproximação?
Imediatamente, pretendo desenvolver vários projetos. Minha experiência de comandante de batalhão em Limeira foi meu grande laboratório. O primeiro projeto são as audiências públicas com a comunidade, em três etapas. A primeira, é o diagnóstico, o que está acontecendo na área. Na segunda etapa, um plano de trabalho, com indicadores de produtividade, o que estamos fazendo. Temos que mostrar como atuamos e essa é uma oportunidade muito boa de fazer parceria com a comunidade. A terceira é ouvir o que as pessoas têm a dizer, a pedir e o que têm procedência. As audiências acontecerão trimestralmente, para não cansar. Também mostraremos que o que exigem da instituição e nem sempre é nosso papel, o que dificulta nossa atuação.
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Pretende reativar as bases de polícia comunitária?
Primeiro, a competência para deliberar sobre isso é da major Adriana, que comanda o batalhão de Piracicaba. Vou discutir com ela, mas minha opinião é que qualquer instalação física deve ser pensada de forma inteligente e isenta. Quando a gente cria uma base, precisa de gente para tomar conta e essas pessoas deixam de fazer segurança pública, patrulhamento nas ruas. Já conversei com a major e nossa ideia é que, se o local mostrar necessidade, vamos reativá-la, mas se onerar, não o faremos. A base precisa no mínimo de três policiais e como trabalhamos no regime 12hx36h, seriam 12 policiais e duas viaturas a menos nas ruas.
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Que outras ações o senhor acredita possam dar bons resultados na região?
Trabalho muito na parte de prevenção, com campanhas educativas nas escolas, policial para orientar a população, campanhas nos ônibus sobre temas diversos. No campo operacional, vamos investir na polícia proativa, diferente daquela que irá apenas registrar fatos. Outra ação é um fórum com policiais que cuidam de determinadas áreas, para agilizar a identificação de problemas e a apresentação de respostas. Mas uma coisa de cada vez.
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O que mais o preocupa em termos de criminalidade na região?
Os crimes contra a vida são sempre os que exigem mais atenção. As metas de homicídio e latrocínio estão sob controle. Na nossa região, verificamos um aumento no número de roubos, mas esse índice é menor na região em relação aos números do Estado. O furto e roubo de veículos são os que mais impactam e a explicação é que a oferta (de veículos) é muito grande, muitos veículos circulam nesta região, mas temos investido e trabalhado de forma articulada com a Polícia Civil.
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Este mês tivemos seis sequestros-relâmpago na cidade. Há ações para coibi-los ou esse é o tipo de crime que não tem prevenção?
Reforço minha ideia da prevenção. Existem formas de prevenir, conscientizando as pessoas para se acautelarem em situações como esta. Tem gente que saca grandes volumes de dinheiro no banco e não tem nem o cuidado de escondê-lo. Faremos abordagens, verificação de suspeitos, à medida que a polícia se mostra ativa e presente acaba afastando a criminalidade.
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Será que a sociedade brasileira nunca ficará livre da criminalidade?
O crime é um fenômeno social e me atrevo a dizer que ele vai existir sempre. Na minha opinião, quanto menos distorção social, melhor distribuição de renda e acesso a oportunidades, à educação, menores os índices de criminalidade. Se fizermos uma pesquisa de comparação entre IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e índice criminal, vamos verificar que as cidades com melhor IDH têm menos criminalidade. O tratamento de esgoto, um dos critérios de avaliação do IDH, é um benefício: se a pessoa tem melhor estrutura, o crime acaba sendo menor. Acabamos entrando em fatores que não são geridos pela polícia mas cujos efeitos acabam repercutindo nossos serviços.
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O que será feito para coibir furtos e roubos de veículos em Piracicaba?
Temos procurado mapear as áreas onde acontecem. Recebo relatórios diários e temos fiscalizado. Se analisarmos no geral, as áreas onde ocorrem esses crimes são comuns em todas as cidades, como áreas próximas a hospitais, consultórios médicos. O ladrão é esperto, sabe que a pessoa vai demorar para sair da consulta. Quando a gente orienta, as pessoas tomam mais cuidados. Outra medida é a expansão da Zona Azul Digital para esses lugares, porque só o fato de ter alguém para controlar a venda do cartão já afasta a criminalidade. O grande problema que enfrentamos é que, para esse tipo de crime, a penalidade é muito branda. Já é difícil pegar o criminoso, porque leva 20 segundos para furtar um carro, e quando o policial pega, depois de três dias ele está de volta às ruas e a maior parte dos enquadramentos é por receptação, cabe fiança, não fica preso.
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Precisaria haver uma mudança nas leis?
Se a sociedade entende isso como um grande problema, precisa mudar. As leis contra o patrimônio são muito brandas, mas é uma opção do legislador brasileiro penalizar com mais rigor os crimes contra a vida, a liberdade sexual e a polícia é operadora disso apenas, não interferimos nesse processo.
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A criminalidade é um problema amplo, geral e complexo que parece não ter solução rápida. Como amenizar a sensação de insegurança da população?
Existem caminhos a serem pensados. Acho fundamental as áreas que atuam nas políticas públicas de atendimento se falarem mais, é preciso pensar numa adequação da nossa legislação, medidas que estão fora do campo da polícia. Acho importante haver também uma articulação entre as forças policiais, o papel de cada uma é fundamental e se completa, mas muitas vezes acabam se contrapondo e a sociedade perde. É um caminho que tem que ser discutido, com atividades integradas em determinados momentos. A sensação que tenho, como policial militar, é que a gente trabalha demais, se envolve muito com a atividade e o problema não se resolve porque outros fatores interferem e não estão sob nosso controle. A impressão é de estarmos enxugando gelo. Fizemos um levantamento em uma certa cidade sobre quanto tempo os autores de roubos de veículos, uma ocorrência gravíssima porque leva ao latrocínio, ficavam presos. São no máximo 40 dias.
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Depois de tantos anos combatendo a criminalidade, o senhor é a favor da pena de morte?
Absolutamente contra. Sou cristão e vivemos em um País muito desigual. Trago a seguinte reflexão: o mais criminoso é o indivíduo que roubou um carro aqui ou o grandão que roubou o dinheiro público e matou de fome 100 crianças ou que conduziu ao abuso sexual de 50 meninas? Quem você acha que será apenado com a morte em nosso País? É preciso ter os pés no chão. Se um dia as diferenças fossem menores talvez houvesse mais argumentos para defender algo nesse sentido, mas não na situação atual.
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Todos os bairros têm pontos de tráfico e a população sabe indicá-los. Por que é tão difícil para a polícia identificar e combater o tráfico?
Primeiro, porque são muitos pontos de tráfico e há todo um procedimento jurídico para a polícia entrar em uma edificação e fazer busca e apreensão, não é simplesmente identificar. Apreendemos muita droga, mas equivale a um número muito pequeno perto do que efetivamente se trafica. Sempre que há uma informação, tentamos realizar operações com a Polícia Civil, mas assim como não existe ex-ladrão, não há ex-traficante. Se um é preso, outro assume. É um combate bastante difícil. A legislação atual beneficiou muito o traficante. Ele distribui pequenas quantidades para os “aviõezinhos” que, se forem pegos, dizem que é para consumo próprio e, apesar de serem tomadas medidas, não são punidos. Temos que lembrar que o usuário também mantém o tráfico.
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O tráfico é o grande mal da sociedade?
Acho que sim, é o câncer da sociedade, porque uma série de outros crimes têm relação com o tráfico. Se a gente parar para analisar, os crimes que acontecem no Estado de São Paulo têm um percentual grande de relação com o tráfico de drogas. O tráfico se organizou, tem sido utilizado por organizações que movimentam grande quantia em dinheiro, mas é importante dizer que São Paulo não faz divisa com nenhum outro país que produz drogas, então elas atravessam fronteiras. Nosso trabalho é de combate de um problema que começou lá atrás, o Brasil tem uma fronteira muito extensa, tanto a seca como a marítima e isso dificulta o combate.
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Qual o papel da polícia, da família, da sociedade e do governo nesse assunto?
A polícia é o sexto cinturão de proteção social. Começa na família, depois vem a escola, amigos, convivência, mercado de trabalho, igreja e a polícia. A ação da polícia no combate é necessária quando os outros eixos acabam falhando. É preciso fazer uma reflexão mais aprofundada do papel da família, cada vez há mais pais entendendo que a responsabilidade pela educação do filho é do professor, há muitas famílias desestruturadas e as outras instituições acabam sofrendo pela omissão e a falha da anterior. Quando a polícia tem que agir, muita gente errou, falhou e aí o problema pode estar num nível tão elevado que a gente não consegue dar suporte para ele.
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Como o governo poderia ajudar a melhorar essa situação?
Definindo políticas públicas claras para essa área. Não é bandeira partidária, mas a gente assiste diversas iniciativas apresentadas de forma pomposa, mas que na prática não dão resultado, porque não se articulam, a saúde não fala com a educação, por exemplo. O processo de tirar alguém das drogas é bastante complexo, as mais pesadas como cocaína ou crack levam muitos anos para a desintoxicação. Não basta tirar, tem que integrar, você mantém essa pessoa num nível de precariedade social, ela acaba voltando. A crítica que faço é para todos os entes federativos: a gente tem que ter políticas públicas que se comuniquem, se articulem.
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Muito se fala no baixo efetivo policial. A alternativa para o combate à criminalidade está no aumento do efetivo ou o que falta são mais investimentos em serviços básicos, especialmente na educação?
É importante investir em educação, cultura, políticas de inclusão social, de distribuição de renda, mas no campo da atuação da polícia, eu diria que é importante que exista um efetivo adequado a atender às demandas que a sociedade apresenta. A ONU (Organização das Nações Unidas) preconiza que o número ideal de agentes de segurança — que incluem policiais, guardas municipais, bombeiros e serviços de segurança controlados pela polícia, como agentes de trânsito, vigias de ruas cadastrados — é de um para cada 350 habitantes. Se fizermos a soma desses agentes, mesmo com o déficit de efetivo, não estamos longe desse índice no Estado de São Paulo. Talvez o que falte é uma articulação de ações e eu pretendo promover isso na região. A tecnologia e a comunicação são ferramentas importantes também para essa articulação.
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Vivemos uma guerra vergonhosa entre polícia e bandido e a população na linha de tiro. O senhor acredita na necessidade de mudar o modelo de policiamento brasileiro?
Não acredito. A polícia, no sentido lato da palavra, tem quatro papéis: proteger as pessoas, combater o crime, aplicar a lei e preservar e manter a ordem pública. O que a gente vê nessas situações é os três papéis posteriores prevalecendo sobre o primeiro, que é proteger as pessoas. Quando você vê o policial prendendo, digladiando com o criminoso para impedir que ele cometa o crime ou até respondendo a uma agressão que ele provocou a terceiros ou ao próprio policial, ele está combatendo o crime. O grande problema é que a sociedade acaba empurrando a polícia para desempenhar esses três papéis e não sobra tempo de fazer o principal, que é proteger. Não tenho a menor dúvida de que o trabalho da PM é esse, por isso um investimento tão sério na polícia comunitária. A gente vive num País muito desigual, os outros papéis terão que ser desenvolvidos, mas não podemos deixar nunca de fazer a proteção das pessoas, elas desejam isso.
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A Polícia Militar, apesar de todos os percalços, ainda mantém sua importância como braço forte do Estado. A sociedade respeita e confia na PM?
Há respeito e consciência de que a instituição é importante. O número de atendimentos que a gente oferece, até os de natureza social, que não deveriam ser prestados pela instituição, demonstram esse grau de confiança. Sei também que a falha de outros órgãos acaba repercutindo na nossa instituição e as pessoas se frustram, mas tenho absoluta certeza que a sociedade reconhece isso. Se não fôssemos tão necessários, não nos procurariam. Para se ter uma ideia, nosso Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) faz 4.000 atendimentos por dia.
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Piracicaba é uma cidade turística e talvez receba visitantes durante a Copa. A polícia está preparada para isso?
O planejamento para a Copa foi feito de forma articulada em todo o Estado. Em São Paulo, foram criados batalhões matriciais, que emprestam efetivo de outras áreas, para atuar na Copa. Nas cidades-sede das delegações, há um planejamento específico, voltado a atender às demandas que a presença dessas seleções vai gerar no local e nós, que não somos subsede mas podemos receber turistas, temos um planejamento adicional para atender eventuais aumentos de fluxo nas cidades da região. Há efetivo de sobreaviso também, convocado para atuar imediatamente, além de dar atenção às nossas demandas do dia a dia.


Seção de Comunicação Social do CPI-9

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