(*) Humberto Gouvêa
Figueiredo
Estamos vivendo numa sociedade em que
cada vez é mais nítida a inversão de valores: dia após dia assistimos fatos
acontecerem e, nem temos tempo de assimilar a surpresa (e, muitas vezes, a
indignação), e algo de novo acontece para nos deixar ainda mais perplexos...
Não sei onde vamos parar...não sei se
vamos parar...
Para mim, o acontecimento decepcionante
“da vez” veio de uma grande amiga, também Coronel de Polícia, que comunicou a
um grupo do qual fazemos parte, um fato ocorrido na sua área de atuação, que
vou me permitir não divulgar, mesmo porque o que o mais importante aqui é o
episódio e não o local ou as pessoas diretamente envolvidas.
Estamos, como alguns devem saber, num
período da chamada “saidinha temporária de presos”: são ocasiões relacionadas
com datas comemorativas em que criminosos que cumprem penas, em número bastante
expressivo, observadas algumas regras da execução penal, são autorizados a ir
para as ruas, devendo voltar depois de alguns dias (embora na prática, segundo
apontam as estatísticas do Sistema Prisional, pouco mais de 6% acabam não
retornando).
O caso que narrarei tem relação com este cenário: estava um policial militar (o cidadão fardado que todas as
pessoas de pronto reconhece e que existe para servir e proteger) no balcão de
uma empresa de ônibus, numa das rodoviárias do Estado, solicitando a marcação
de sua passagem, quando lhe foi informado pelo funcionário que o atendia que
não poderia ser feito o agendamento, vez que as vagas previstas para serem
concedidas aos policiais já estavam todas ocupadas.
Aquele homem, que tal como muitos outros
policiais militares, deveria residir em local diferente do que trabalha, e imagino,
tinha a intenção, depois de cumprir um duro, cansativo e penoso turno de
trabalho, de retornar ao convívio de sua família, rever sua esposa e receber o
carinho de seus filhos.
Mas lhe foi negado, por falta de
vagas...
Nada demais até aí, afinal de contas,
a questão é matemática: se existem “x” vagas e “x” foram ocupadas, o saldo
restante é zero.
Mas a indignação vem com o que se
passou na sequência, mais especificamente com o passageiro que estava na fila
depois do policial militar: tratava-se de um sentenciado, beneficiário da saída
temporária de presos no “Dia das Mães”: importante dizer que muitos sequer
possuem mães e não me surpreenderia se entre os abrangidos não houvesse aqueles
condenados por ter praticado crime contra a própria Mãe.
O preso, diferente do que aconteceu
com o policial militar, ao requerer sua passagem gratuita foi prontamente atendido pelo atendente da empresa de
ônibus: em síntese, àquele que protege e defende a sociedade impõe-se um limite
de gratuidade para viagem nos ônibus; para aqueles que roubam, matam, traficam,
viajar sem pagar é bem mais fácil.
Os valores da sociedade estão
invertidos: não há como ver um futuro melhor assistindo presos sendo mais
valorizados que os agentes encarregados de aplicar a lei.
Assim eu penso.
(*) é Coronel da Polícia Militar e comandante do policiamento na região
de Piracicaba
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